O termo Ontologia foi cunhado propriamente por Johannes Clauberg e
popularizado por Wolf. Conseqüentemente se pode dizer que a próte
philosophia de
Aristóteles, a philosophia prima dos
escolásticos, a Ontologia, ou a Metafísica Geral, e em algumas vezes a Metafísica, referem-se à mesma
ciência do ser enquanto ser, que é a Ontologia. No modo de considerar a Ontologia, houve, entre os
escolásticos, uma
dualidade de posição. Os que seguem a linha tomista, consideram-na como o coroamento da
filosofia, e deve ser precedida pela lógica, pela
cosmologia, pela psicologia e pela
filosofia matemática. Outros, porém, consideram-na como
ciência fundamental, gestada na Gnoseologia, subdividindo-a em
metafísica geral e numa
metafísica especial, referindo-se esta à
metafísica do homem, Antropologia
filosófica, e à metafísica do mundo material, à Cosmologia.
Aristóteles sobre a
filosofia primeira (prote philosophia, a philosophia prima dos escolásticos) são ainda o melhor e mais claro enunciado sobre a
ciência
em que ora penetramos, a Ontologia ou Metafísica Geral, assim também
chamada, porque estuda o ser enquanto ser, isto é, tomando-o na sua
maior universalidade.Essa compreensão da Ontologia, no entanto, foi modificada por
filósofos modernos, que se colocaram sob a égide de Kant. Para este, conhecemos os fenômenos, e sabemos da
existência do noumeno, mas deste não temos nenhuma
experiência sensível, isto é, não o intuímos pela
intuição sensível, mas apenas mediante uma dialética, que Kant chamou de transcendental.
A Ontologia seria, então, a
ciência
do noumeno. A ela caberia o papel especial de estudar o que permanece
atrás dos fenômenos, de explicá-los, enquanto os fenômenos caberiam às
ciências particulares.
Por isso, modernamente, entre alguns
filósofos,
costuma-se empregar o termo ontológico, como referente ao ser
elucidado, ao ser em geral, e ôntico ao que se refere ao ente, tomado
determinadamente o fato de ser, afim de evitar a confusão entre
realidade ontológica e
realidade
ôntica, que, inseparáveis na ordem do ser, são, no entanto, distintas
na visualização filosófica. Note-se ademais que tal aceitação
terminológica não implica a aceitação da
doutrina kantiana, mas apenas nasce ela de um
desejo de clareza, ideal de quem quer verdadeiramente realizar alguma coisa na filosofia. Há outros termos empregados também neste sentido como ontal, côisico, róico, que encontramos entre
filósofos modernos.
Esse modo de considerar não é, porém,
matéria pacífica e universalmente aceita na filosofia. Os
escolásticos não faziam tal distinção, e consideravam tais expressões deste modo: ôntico significa o ente ainda não descoberto pelo
espírito,
como intelligibile in potentia, como já examinamos na "Teoria do
Conhecimento", e ontológico, o ente já esclarecido, descoberto,
intellectum in actu. Uma
verdade ôntica é uma
verdade que está no ser; quando em
ato no intelecto é uma verdade ontológica. Ôntico, portanto, pertence à
imanência do ente e ontológico à imanência do ser, captada transcendentalmente.
Em nossa linguagem
filosófica,
diríamos que ôntico refere-se a toda a esquemática imanente ao ser,
tomado in genere ou não, como fato de ser, extra mentis, independente do
intelecto,
isto é, dos esquemas noéticos de qualquer espécie. E ontológico
refere-se a tais esquemas noéticos, (logos do ontos) à esquemático
captada pelo intellectum in actu, cuja correspondência e alcance,
paralelismo ou não, cabe à Ontologia elucidar.
Ontologia, como
ciência filosófica, surge na cultura grega, pela ação construtiva de Aristóteles, que a chamava de próte philosophia,
filosofia primeira, e também de theologikô epistéme, ciência divina, porque estuda ela os seres mais divinos até alcançar o Primeiro Motor, o Ato Puro.
Na
filosofia medieval, e sobretudo na escolástica, a Teologia separa-se da Ontologia, porque a
transcendência do Ato Puro, ontologicamente examinado, não alcança a totalidade da
transcendência do ser infinito, que já é tema fundamental daquela disciplina. Deus não é um objectum da epistéme, da ciência filosófica, mas o termo dessa ciência, a fim a ser alcançado por ela, e não dado como objeto a ser analisado, mas a ser conquistado. Já tivemos oportunidade, em outros trabalhos nossos, de nos
referirmos à classificação dada por Andrônicos de Rodes aos trabalhos de
Aristóteles
que deveriam ser editados logo após os livros sobre a física, que ele
intitulou de ta (bíblia) metá tá physiká, de onde latinizou-se o termo
metaphysica. Um exame cuidadoso da obra aristotélica nos mostra à
saciedade que não se trata apenas de uma classificação, mas da
consciência que tinha
Aristóteles dessa ciência. Com a escolástica, tais temas, estudados na obra famosa e fundamental de Aristóteles "Metafísica"), passam a construir uma ciência rigorosamente delimitada, que estudará o ser na sua imanência e na sua transcendência
(post physicanì et supra physicam), independente da física
experimental. Não é o estudo do ser separado do físico e do sensível,
como de per si subsistente, como poderia estabelecer-se, fundando-se
numa posição platônica ou platonizante, ou melhor numa posição como
freqüentemente, no decurso do processo
filosófico, considerou-se ser o genuíno pensamento
platônico, ao que tantas vezes temos nos oposto e procurado esclarecer,
e que ainda faremos, no futuro, com melhores fundamentos.
A Ontologia, portanto, toma o ser concretamente, em toda a sua
densidade, embora examine-o pelos métodos que lhe são próprios,
realizando a aphairesis (abstração) do físico e do transfísico (como o
exemplo já dado do exame da rotundidade independentizado ontologicamente
apenas do objeto rotundo). Não é da verdadeira metafísica,
como já vimos, realizar essa separação, de funcionalidade noética, e
considerá-la, depois, como física, o que leva aos perigos do
abstratismo, que é a forma viciosa da abstração, e que consiste no
considerar ônticamente o que é separado apenas ontologicamente.
Impõe-se que se faça aqui tais explicações para evitar a caricatura
que se costuma fazer da Ontologia, o que leva a muitos a passar por ela
de largo, em vez de se embrenharem em seu estudo, de magna importância
para a boa visualização filosófica.